terça-feira, 31 de março de 2009

A crítica do conceito tradicional de "verdade".

Eu recebi este texto na aula de Filosofia e achei bem interessante, irei só copiar e colar aqui, e amanhã postarei minha versão sobre a verdade.

É difícil e complexa a discussão a respeito da possibilidade de atingirmos a verdade, mesmo porque são
diferentes as posturas possíveis diante do real, quando nos dispomos a compreendê-lo. Como já dissemos,
segundo a tradição filosófica, o conhecimento resulta da relação entre sujeito e objeto, pela qual alcançaríamos a
verdade das coisas. Embora o critério da evidência tenha sofrido variações, por muito tempo permaneceu a
convicção — excetuando-se os céticos — de que o sujeito teria a capacidade de conhecer a verdade.
Dessa forma, o projeto da modernidade está centrado na subjetividade, no reconhecimento do sujeito pensante
capaz de conhecer. Essa confiança na razão culmina, no século XIX, com a expressão positivista do mundo.
Segundo essa perspectiva, a ciência é por excelência o modelo do saber, é a que nos dá o conhecimento verdadeiro,
uma vez que os critérios de verificabilidade tais como ocorrem nas ciências da natureza, como a física, nos
levam a conclusões seguras, objetivas, aceitas pela comunidade dos cientistas e que, ainda por cima, com o
desenvolvimento da tecnologia, resultam em eficácia no agir.
No entanto, esse racionalismo exacerbado pelo qual haveria um mundo "objetivo" a ser desvendado pela razão,
começa a sofrer críticas a partir do século XIX. Para Nietzsche, por exemplo, não há fatos, mas apenas interpretações.
Como método de decifração, Nietzsche propõe a genealogia, que coloca em relevo os diferentes processos
de instituição de um texto, mostrando as lacunas, os espaços em branco mais significativos, o que não foi dito ou foi
recalcado e que permitiu erigir determinados conceitos em verdades absolutas e eternas.
Também Marx já procede a uma crítica da razão ao denunciar a ideologia como um discurso ilusório a serviço da
dominação. E no começo do século XX, Sigmund Freud, fundador da psicanálise, mostra que a consciência não
está no centro do sujeito, descobrindo nos sintomas as determinações do inconsciente.
Esse processo de crítica passa por Heidegger e pelos filósofos da fenomenologia, como Merleau-Ponty na
tentativa de superação da dicotomia corpo 'mente e sujeito/objeto herdada do cartesianismo. Mas é a partir da
segunda metade do século XX que filósofos como Foucault, Deleuze, Guattari, Lyotard, Rorty e outros criticam o
conceito clássico de "representação", ou seja, a capacidade da razão de representar o objeto
O que se delineia é o esforço de "desconstrução dos discursos", em que se busca encontrar o que está
dissimulado, escondido, não revelado, procedimento inseparável de uma crítica da razão e do seu poder de
conhecer o mundo.
Segundo Luc Ferry, "O genealogista [...] deve ser um intérprete tentando restituir, conforme se poderia crer, a
verdade escondida. Mas, na medida em que o genealogista não é um sujeito absoluto, na medida em que, portanto,
possui. também ele, um inconsciente, a interpretarão que propõe e o discurso que sustenta serão também
sintomas. Noutros termos: não há disonó neutro [...], uma vez que o discurso próprio do genealogista é por seu
turno um lugar onde se exprimem de modo disfarçado interesses inconscientes — de tal modo que esse disonó
deveria ser por sua vez interpretado e assim sucessivamente, até ao infinito. A conseqüência é límpida: nunca
haverá verdade última que esteja absolutamente certa, que possua a objetividade de um fato, porque há apenas, no
sentido que Nietzsche dá a esta expressão, 'perspectivas' sobre o mundo, doravante, infinito".3 Voltando à epígrafe
do capítulo, segundo Deleuze e Guattari, todo conhecimento precisa ser constantemente revisitado pela crítica, com
a construção de novas teorias filosóficas ou científicas, a fim de se prevenir contra as opiniões prontas. Outra forma
de romper com a rotina do conhecimento adquirido e não mais questionado está reservada à arte, capaz de
despertar novas sensibilidades e estimular a imaginação (consultar a leitura complementar).
Conclusão
Vimos que, no correr da história humana, existiram diversas maneiras de compreender o que é a verdade. O
importante é não sucumbir ao ceticismo radical — que em última instância recusa a filosofia — nem ao dogmatismo
— que se aloja na comodidade das verdades absolutas —, mas suportar o espanto, a admiração, a controvérsia e
aceitar o movimento contínuo entre certeza e incerteza. O que não significa renunciar à busca do conhecimento,
porque conhecer é dar sentido ao mundo e interpretar a realidade, é descobrir formas para nela poder agir.
Em resumo, no pensamento contemporâneo não se busca mais a realidade que existiria por trás dos conceitos,
como tentavam fazer os antigos, o que não significa admitir o relativismo ou a impossibilidade do conhecimento. A
verdade continua sendo um propósito humano necessário e vital, mas essa busca supõe o exercício da liberdade de
pensamento e o diálogo, pelo qual os indivíduos compartilham as interpretações possíveis do real.
FONTE: ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P.; Filosofando. 3.ed. São Paulo: Moderna, 2003.

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